E se pudéssemos retirar o sangue de pessoas mortas para ajudar a quem ainda está vivo? Sim, porque já utilizamos outros órgãos retirados de cadáveres para salvar vidas, então qual é a dessa cara feia com o sangue? “Ai, mas vem de um morto!”. SIM! E de onde você acha que vem o coração que salva milhares de vidas todo ano?!
Infelizmente, esse estigma de ‘algo que vem do morto’ não é o único motivo dessa doação post mortem não acontecer. O sangue é super associado à vida e dificilmente alguém escolheria o sangue de um cadáver para transfusão, embora seja possível.
Em 1928, o cirurgião soviético V. N. Shamov decidiu investigar se o sangue de uma cadáver podia ser usado para evitar a morte de pacientes. Usando um cachorro como cobaia, a equipe soviética retirou setenta por cento do sangue do doguinho e injetou solução salina em seu fluxo sanguíneo para levar o nível total de drenagem de sangue a noventa por cento, nível letal. Então, o sangue de um cachorro morto algumas horas antes foi injetado no nosso bravo amigo e ele voltou à vida.
Dois anos depois, a mesma equipe soviética testou com sucesso a doação de sangue de cadáver em seres humanos e passou a maior parte dos trinta anos seguintes fazendo essas transfusões em pessoas vivas.

Ainda em 1930, o médico russo Sergei Yudin foi o pioneiro na transfusão de sangue cadavérico e a realizou com sucesso pela primeira vez em 23 de março. No mesmo ano, Yudin organizou o primeiro banco de sangue mundial no Instituto Nikolay Sklifosovskiy, que serviu de exemplo para o estabelecimento de outros bancos de sangue em diferentes regiões da União Soviética e em outros países.
Desde que a morte tenha sido relativamente repentina e a pessoa morta estivesse com boa saúde, o sangue do cadáver permanece sendo utilizável, como o dr. Shamov descobriu, por até seis horas. Em outras palavras, a doação é viável. Os glóbulos brancos têm vários dias de atividade depois que o coração para de bater. Se o sangue estiver estéril e em boa condição, a doação de sangue de cadáver é segura.
Então, por que essas transfusões não são populares?
Além do “credo, isso veio de um morto”, há outros motivos. Primeiro, o custo. Como o sangue de um cadáver só pode ser utilizado até seis horas após o óbito e deve estar comprovadamente livre de qualquer doença , manter corpos em stand by, refrigerados e tal, pode ser muito dispendioso física e economicamente. Não dá pra deixar um cadáver destinado à doação de sangue junto dos demais no necrotério. O risco de contaminação colocaria todo o processo em risco.
Segundo, cada cadáver doa apenas uma vez, enquanto pessoas vivas podem fazer isso até quatro vezes por ano, no caso dos homens, ou três para mulheres.
Questões éticas também podem aparecer. Por exemplo, no caso de uma pessoa estar inconsciente na hora da doação e não poder concordar em receber sangue de defunto. Geralmente, em transplantes de órgãos, você já aceitou o fato de que ele virá de uma pessoa morta. Mas saber só depois de um tempo que aquele sangue que corre em suas veias veio do pescoço de um cadáver pode gerar desconforto.
Falando em retirar pelo pescoço, é isso mesmo que acontece. Sem o coração batendo para bombear o sangue, a doação cadavérica precisa de gravidade para funcionar. Se patologistas precisarem tirar sangue de um cadáver, a opção simples é abrir uma veia grande no pescoço e inclinar a cabeça para baixo.
Portanto, embora seja possível a doação de sangue pós-morte, sugiro que façamos isso ainda em vida. Para se ter uma ideia, o sangue de um único doador pode salvar até quatro vidas. Para saber como doar procure o Hemocentro da sua cidade.
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